JUCIELE BALDISSARELLI
Repórter
Depois de dedicar mais de 50 anos para Fraiburgo, ficando
conhecido como o Pai da Maça no Brasil, o francês Roger Biau dá adeus ao
município e volta para o convívio familiar no sul França. Lá ficará na
companhia de praticamente toda a família, inclusive de uma das filhas, Sophie.
Com 82 anos, acometido de alguns problemas de saúde, como parkinson e problemas
de coração, a difícil decisão demorou dois anos para ser tomada. Roger e a
esposa Evelyne de 77 anos, entenderam que trata-se de um encerramento do ciclo
de vida dedicado ao trabalho.
Na bagagem, que já está alto mar dentro de containers
transportados por navio, o casal fez questão de levar cada objeto que tinham no
apartamento, como forma de consolo para a saudade que deverão sentir. Além das
roupas, objetos pessoais, até uma geladeira ganhou espaço para ser levada. Tudo
será colocado na residência que o casal já possui na França e que vinha sendo
preparada para recebê-los quando decidissem que era hora de partir. Já os
franceses irão um pouco mais tarde, a viagem está agendada para a próxima
quarta-feira (18). Em Fraiburgo deixam uma das filhas, Pascale a qual é casa e
tem filhos.
Enquanto a data não chega, ambos aproveitam para se
despedirem dos amigos e do município que muita consideração deve ter para com ambos.
“É triste demais para mim, mas francamente fazem dois anos que toda manhã eu
penso, vou reagir, mas esses problemas de saúde impossibilitam”, comentou.
Mesmo com a idade avançada, Roger fazia questão de se manter pelo menos algumas
horas por dia ativo profissionalmente. Costuma visitar os pomares de maçãs da
empresa que criou, a Pomagri que atualmente é administrada pelo genro Pierre
Nicolas Pérès.
Nesse meio século de vida fraiburguense, talvez o mais
difícil não tenham sido as pesquisas relacionadas à fruta, mas sim a adaptação à
vida simples e sem nenhum conforto que o município pode oferecer a eles quando
chegaram. Junto trouxe a esposa e as duas filhas, Sophie e Pascale que tinham
três e quatro anos. Todos estavam acostumados a uma realidade muito diferente,
afinal vinham da França, além do choque cultural, nem o português sabia falar.
Evelyne é notadamente reconhecida na sociedade local como
uma mulher de gosto aprimorado, valiosa educação e delicadeza admirável. Quando
se mudou para Fraiburgo em 1963 pensava que viria apenas passar uma temporada,
no entanto os anos se passaram e nunca mais fora embora. Roger, além do amor, demonstra
gratidão e admiração à esposa, pois sabe bem as dificuldades que ela teria
enfrentado no começo de toda história. “Ela me dizia que eu era louco por
enfrentar tal desafio, além das dificuldades materiais, parecia impossível
implantar uma fruticultura de clima temperado em um clima tropical”, contou.
A HISTÓRIA DA MAÇÃ
A história do moderno cultivo da maçã no Brasil teve
início no começo da década de 60, quando o grupo Viti-Vini-Fruticultura
Evrard-Mahler, da Argélia, designou o especialista francês Roger Biau para o
trabalho técnico de pesquisa e desenvolvimento da fruticultura no sul do país. Roger
pisou em Fraiburgo pela primeira vez em julho de 1963, trazendo consigo
diversas mudas de frutas para identificar qual delas se adaptaria melhor ao
clima. Foram de 12 anos de experimentos, até o relatório final emitido em 1975
onde afirmava que o clima era propício para o desenvolvimento da maçã.
Até chegar a conclusão de que a maçã era a fruta indicada
e ainda ter a missão de descobrir qual era a variedade que melhor se adaptaria,
muitas foram as dificuldades por que passou. Quando chegou, nem o idioma falava
e por isso, ele mesmo precisava preparar os terrenos de forma que ensinaria aos
ajudantes através da prática como o trabalho deveria ser feito. Com muito trabalho
instalou um pomar experimental de 42 hectares onde promovia os experimentos.
Foram analisadas 525 espécies, sendo que destas 165 eram variedades de maçãs.
O Pai da Maçã chegou à conclusão de que as variedades gala
e fuji, além de adaptar-se ao clima brasileiro, seriam as melhores apreciadas
pelo gosto do consumidor. Atualmente estas variedades ainda são consideradas as
mais modernas no mundo, contrariamente do que na época se pensava de que as
variedades de coloração verde teriam maior preferência.
Roger conta que veio para Fraiburgo com o objetivo de
ficar apenas cinco anos, no entanto as pesquisas, que eram viabilizadas pela
iniciativa privada através da família Frey, começaram a dar certo e ele não
tinha como largar os experimentos que viviam o auge. Desta forma os anos foram se
passando e para a França voltava somente a passeio.
UM CASTELO CONSTRUÍDO EM NOME DO AMOR
Sem se acostumar com a vida simples que passou a ter em
Fraiburgo, Evelyne por diversas vezes, ameaçou que voltaria para o país de
origem levando junto às filhas do casal. Foi então que Roger teve a ideia de
oferecer que se a esposa desistisse do pensamento, a casa dos sonhos seria
construída. Ela se interessou pela proposta, no entanto com ajuda de um
arquiteto francês, elaborou um projeto audacioso que inicialmente chegou a
assustar o esposo.
Mas para garantir a permanência da família no Brasil e o
conforto do todos, com ajuda da família Frey foi edificado um dos grandes
símbolos que torna Fraiburgo reconhecido: O Castelinho, local que residiram por
várias décadas. O Castelinho foi construído utilizando o estilo das casas da
Normandia (província a Oeste da França). Foram utilizadas pedras de Basalto
encontrado na região (mais conhecida como “pedra-ferro”) e que foram cortadas à
mão, transformando a casa em uma verdadeira fortaleza. A sua construção foi
realizada por um francês trazido especialmente para executar a obra.
O RECONHECIMETO DE FRAIBURGO
A repercussão da decisão do casal de franceses de
voltarem definitivamente pela França, foi algo que rapidamente se espalhou
entre os fraiburguenses. A maior parte, se não a totalidade ficou emocionada
com o anuncio, mas sem muito questionar, pois é sábio a dedicação que Roger teve
com o município. De maneira muito humilde disse que leva somente lembranças
boas. “Sou muito grato ao povo brasileiro que me permitiu fazer esse trabalho,
se não tivessem nos acolhido, isso não seria possível”, afirmou.
Fraiburgo parecia que pressentia que a
volta do casal para a França se aproximava. Ainda no ano passado, Roger foi um
principais homenageados no Desfile das Potencialidades. Entre as homenagens que
as empresas prestaram ao município e o seu desenvolvimento econômico atingido
nesse meio século de existência, um carro alegórico carregou o Pai da Maçã no
Brasil, pela Rua Arnoldo Frey e emocionou a multidão de expectadores.
O amor que demonstra ter pela cidade que adotou por opção
foi facilmente reconhecido. Entre as pessoas que ficaram emocionadas com a partida
está Ari Antônio Guindani. “Conheci Roger em 1969, fui um dos que se
influenciaram beneficamente com o seu entusiasmo e por isso vim parar em
Fraiburgo. Tive a honra de tornar-me seu amigo. Além de um grande cientista
este homem é um grande ser humano”, comentou.
Na década de 60, como a exploração das araucárias já não
era mais tão abundante, a família Frey começou a explorar outras culturas,
sendo as frutas de caroços e por fim a maçã. A iniciativa dos fundadores do
município, aliado ao conhecimento do engenheiro agrônomo, fizeram com que
Fraiburgo em apenas 50 anos alcançasse tão reconhecido desenvolvimento
econômico.
Para Willy Frey, filho Renê Carlos e sobrinho de Arnoldo,
que foram quem trouxeram Roger para cá, este é um momento de reconhecimento.
“Roger prestou enorme trabalho e lutas na fruticultura de Fraiburgo, seu nome
vai ficar gravado na história de nosso município. Desejamos que faça uma boa viagem
de regresso a sua pátria e tenha uma merecida aposentadoria, feliz e tranquila”,
disse.
FOTOS ARQUIVO PESSOAL E CINEGRAF IMAGENS
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